ALVARÁ NÃO É ATESTADO DE ÓBITO
O nosso blog de hoje, sai do padrão habitual, para abrir espaço ao mais correto comentário que lemos até aqui, sobre a tragédia da Boatte Kiss, em Santa Maria (RS). Seu autor, é o Bacharel em Direito, Pedro Cardoso da Costa. Sua análise não se limta ao trágico acontecimento, mas se aprofunda em todas maracutaias que assolam um país, cuja a maioria de sua população prefere aceitar tudo como se não tivesse nada a ver, ao manter-se-se no mais absoluto silêncio.
Parece
que já disseram tudo sobre essa tragédia na boate Kiss, em Santa Maria/RS, mas
pelo tamanho dela nunca é demais enfatizar os mesmos aspectos, ainda que já
apontados.
Quando
ocorre uma desgraça dessas dimensões em qualquer parte do mundo desenvolvido, as
autoridades começam por averiguar as responsabilidades. No Brasil o início é
pela isenção prévia de culpabilidade dos envolvidos, e logo aqui onde a
corrupção grassa na gestão pública, tão conhecida, praticada, vivenciada, quanto
negada por todos.
Seguindo
a linha do acobertamento, o governador do Rio Grande do Sul pontificou que
não era o momento de achar culpados, clichê já entre autoridades quando ocorrem
esses fatos. Culpado não se acha, investiga-se quando se faz necessário, não em
casos como este, que salta aos olhos, como costuma dizer o ministro Gilmar
Mendes.
Já
o comandante do corpo de bombeiros do estado se tornou o “Lewandowski da boate
Kiss”. Afirmou reiteradamente que tudo estava normal nessa casa, referente à
documentação. Disse que o alvará regular poderia não ter feito a diferença. Se
alvará não serve, que se extinga, mas uma fiscalização eficiente, sem corrupção,
tem que existir. Seria o mesmo que, após uma queda de avião, se constatasse que
o piloto não era habilitado. Poderia ser inevitável, mas acredito que o
comandante dos bombeiros não se arriscaria a andar num avião pilotado por um
leigo.
Certezas
passaram a ser criticadas mais recentemente, mas sem medo de errar, a não em
guerra, pode-se afirmar que quando morrem inúmeras pessoas o que está normal não
interessa, pela lógica berrante de que as mortes ocorrem pelo que está errado.
Nesse caso, quanto mais a casa estivesse de acordo com a documentação, mais a
prefeitura, os bombeiros, os entes públicos em geral estariam
errados.
Não
importa quantas portas estivessem previstas pela norma, poderia ser uma, mas que
fosse suficiente para a evacuação sem mortes. Ainda assim, deveria ter mais de
uma, pois ocorresse dificuldade na abertura, outra solucionaria o
problema.
Depois
da tragédia, agora todas as prefeituras e estados correm para fechar boates. Daí
não se faz nada com relação à gasolina “batizada” nos postos, aos bares com
comida estragada e tomando as calçadas dos pedestres, aos hospitais com
funcionários ausentes e presenças asseguradas. Tudo fica ao deus-dará, pois o
brasileiro não exige e as autoridades não cumprem suas funções, a não ser por
poucos dias após uma tragédia.
Já
está no esquecimento o Bateau Mouche, o Morro do Bumba, Santa Catarina,
Teresópolis, as mortes em piscinas de escolas, nas embarcações na Região Norte.
Além desse esquecimento rápido, o brasileiro só se sensibiliza devido à
quantidade simultânea de mortos. Se morressem três vezes de um a um, não haveria
nenhuma manifestação de solidariedade. É assim nos acidentes de trânsito,
assassinatos, bebês abandonados, pessoas morrendo sem atendimento nos hospitais;
nas quedas de aviões, nas enxurradas de todos os verões e tantas outras
mazelas.
Essa
onda lembra a dos desfibriladores após a morte de um jogador em campo, a falta
de “grooving” (ranhuras) do Aeroporto de Congonhas. A maioria nem lembra mais do
nome.
Já
o título deste texto poderia ser “vai passar”, sobre essa solidariedade e a
fiscalização só no momento da comoção; “Santa Maria é aqui”, analogia à música
de Caetano Veloso, sobre esse tipo de irregularidade ser generalizado em
qualquer canto deste país.
Sobram
os argumentos de defesa prévia dos responsáveis que não cumpriram com o seu
dever. Esses ficarão impunes, sem precisar de defensores como os do mensalão.
Caso a documentação esteja correta e uma câmera por perto, não faltará o “poc,
poc, poc” de Marco Aurélio Garcia, ao comemorar “a não culpa” do poder público
pelos mortos no avião da TAM.
Meio
banalizado, mas a vida ainda é o bem maior da humanidade e por isso causa toda
essa comoção nacional. Portanto, nada, absolutamente nenhuma casa, nenhum local,
nenhuma medida e muito menos qualquer lei pode estar correta quando coloca a
vida em risco. Todas as autoridades públicas e especialmente o governador e o
comandante do Corpo de Bombeiros do Rio Grande do Sul precisam ser avisadas de
que “alvará correto” não pode significar atestado de óbito coletivo.
Pedro
Cardoso da Costa – Interlagos/SP
Bacharel em direito
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