Muros adentro, há três campos de refugiados palestinos: blocos de apartamentos exíguos e amontoados a esmo. As ruelas do acampamento são decoradas com centenas de cartazes de mártires - moços de olhar fixo e impassível, alguns empunhando fuzis. Muitos são vítimas das Forças de Defesa de Israel. Outros explodiram a si mesmos em algum shopping, restaurante ou ônibus israelense. O texto em árabe nos cartazes louva a grandiosidade desses atos.
Do outro lado do muro, dominando a crista de morros ao redor, esparramam-se assentamentos judaicos, espetados por guindastes de construção, em férvido crescimento. No fim de tarde, o Sol fulgura nas paredes das casas dessas povoações, e Belém parece cercada de brasas.
No topo da colina central de Belém está a praça da Manjedoura, calçada de paralelepípedos, defronte à igreja da Natividade, fica quase escondida. Parece uma uma fortaleza de pedra. Com paredes grossas, impenetráveis e fachada austera. Ali a estrutura mais alta e destacada é uma mesquita. Muitas das lojas de suvenir estão de portas e janelas fechadas. São relíquias de tempos mais pacíficos. O turismo é reduzido. Os peregrinos religiosos entram e saem levados por guias - uma rápida parada na praça e uma partida apressada morro abaixo para atravessar o muro e voltar a Jerusalém. Os hotéis vivem às moscas. Poucos visitantes pernoitam. O desemprego em Belém, pela estimativa do prefeito, anda em 50%, e muitas famílias não sabem se irão comer no dia seguinte. A missa da véspera de Natal em Belém, transmitida mundialmente em 24 de dezembro, na verdade é celebrada em uma igreja bem mais nova ao lado da Natividade: a igreja de Santa Catarina, que é dos católicos romanos. E, para complicar ainda mais, os armênios celebram o Natal em sua ala da igreja em 18 de janeiro. Em Belém, o Natal acontece três vezes por ano.
Não importa a versão do cristianismo que se siga - ou mesmo que não se siga religião nenhuma-, parece haver algo significativo na gruta no subsolo da igreja, com seu cheiro de incenso e vela, iluminada por uma fieira de lâmpadas nuas. Visitantes do mundo todo descem os 14 degraus terra adentro. Muitos, involuntariamente, caem de joelhos após a chegada. Oram, cantam, choram e desmaiam no local da natividade. Isso acontece todos os dias.
Algumas pessoas que encontramos em Belém citam a Bíblia, outras recitam o Corão, outras ainda entoam a Torá. Alguns oram ajoelhados, outros com a testa no chão. Há os que atiram pedras, os que dirigem tanques e os que se embrulham em explosivos. Mas em essência, descartando todo o ódio, a política e as guerras que abalaram o planeta, a coisa de que mais se fala, em se tratando de Belém, é terra. Um fiapo de terra. Um pedacinho de chão varrido pelo vento, sedento de água, juncado de rochas.
Mil anos antes do nascimento de Cristo, Belém era conhecida como a cidade de Davi. Ali nascera o rei Davi, líder judeu que ganhou respeito graças a uma célebre luta: derrotou Golias, matando-o com uma pedrada de estilingue. O gigante, segundo o Antigo Testamento, tinha "seis côvados e um palmo" de altura, cerca de 3 metros. Golias era filisteu, e seu povo era inimigo dos judeus. Da palavra filisteu (ou seu sinônimo, filistino) derivou o atual "palestino", embora a ligação seja apenas etimológica, e não genética.