Recentemente, ao se aproximar à transmissão de faixa de Fernando Henrique a Lula, vieram à tona os dias de tensão que precederam a passagem da faixa presidencial de Juscelino a Jânio Quadros. Foi criado em torno desse ato um verdadeiro clima de terror psicológico que poderia chegar à agressão física. Mauro Chaves, experiente e bem relacionado jornalista, publicou com minúcias de detalhes, em artigo publicado em O Estado de São Paulo, o clima tenso que essa transmissão produziu em Brasília, em 31/1/1961.
JK PASSA A FAIXA A JQ
Preparava-se a posse do presidente Jânio Quadros, após retumbante vitória, apesar do prestígio popular que desfrutava o construtor de Brasília. JK ouvira dizer o que Jânio pretendia fazer na hora da transmissão da faixa presidencial: Um discurso mostrando o estado em que se encontrava a Administração pública do País, com inflação descontrolada, corrupção, desorganização generalizada, e muito mais.
Juscelino ficou acabrunhado ante a perspectiva de ser inteiramente desmoralizado, de corpo presente, diante de uma quantidade imensa de jornalistas, do Brasil e do mundo inteiro. Pensou em não comparecer à transmissão da faixa ao seu destemperado sucessor. Mas logo desistiu da idéia, pois não era homem de fugir de situações e, durante toda a sua vida pública, fez ecoar a frase que se tornara antológica: “Deus poupou-me do sentimento do medo”. Então, ele teria de encontrar uma outra solução, mas qual? Que argumentos um recém-eleito presidente da República, em estado de graça e glória, com discursos em praça pública que faziam o povo vibrar, chorar e tremer de emoção haveria de aceitar para não deixar seu adversário antecessor em situação de colossal e irremediável constrangimento? Juscelino pensou, pensou, passou a noite sem dormir, refletindo. Não consultou ninguém, pois sabia que qualquer opinião de terceiros poderia mais atrapalhar do que ajudar na solução do seu drama. Até que chegou ao seguinte raciocínio: perante o País e o mundo, seria muito pior – e teria maior repercussão –, a desmoralização de um presidente que vai governar do que a de um que já governara. Então decidiu: se Jânio Quadros o “esculhambasse” à queima-roupa, na passagem da faixa presidencial, simplesmente lhe desferiria um soco no rosto. Certamente, o escândalo seria estampado em todas as primeiras páginas dos jornais do mundo – e dificilmente Jânio escaparia do epíteto “o presidente que apanhou na posse”. Tomada à decisão, Juscelino fez vazar para Jânio suas intenções, e o resultado foi que os dois discursos, tanto de Jânio quanto o de Juscelino, acabaram sendo eleborados a quatro mãos (e negociados, linha a linha, pelos assessores de maior confiança dos dois presidentes - Oscar Pedroso Horta, de Jânio, e Augusto Frederico Schimidt, de Juscelino). Sem tocar em inflação, corrupção ou desorganização, ao receber a faixa, Jânio homenageou o grande espírito democrático de seu antecessor. M.C.
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